Espaço BECRE

Espaço BECRE
Esta é a BECRE da Escola EB 2, 3 Júlio do Carvalhal, o novo espaço inaugurado no dia 7 de Janeiro de 2009.

02/02/2009

Escola de Escritores - Quando os anjos merecem morrer…

As horas passavam vagarosamente, o tempo teimava em demorar-se, algures no mundo, algures no tempo, num amanhã próximo… Jack olhava a lua com os seus olhos verdes, olhava instintivamente o relógio, que, parado, não lhe fazia mais do que peso no pulso, mas esse tipo de peso não o afectava, encolheu os ombros, encostou-se atrás na macia colina relvada, continuou a olhar a Lua… Era a sua companhia, e não podia estar em melhor companhia. Jack imaginava quantas pessoas naquele momento estariam a olhar a Lua, pelo mundo fora… umas tristes, outras felizes, ricos, pobres, rebeldes solitários e irmãos de uma enorme família… Realmente, Jack não podia estar em melhor companhia, tentava imaginar a vida de outros, adormecia, sonhava… E era assim todos as noites, até chegar o dia.
Aquela noite estava fria, mais fria que o habitual, as nuvens cobriam a lua, Jack procurou um sítio para se refugiar, porém aquela noite fria de Inverno sentia-se em qualquer lugar; chuva… chuva que regava a árvore da mente e faz florescer as memórias. Jack adormeceu, num profundo e agitado sono…
-“O sol quando nasce, nasce para todos!” Era o que a avó costumava dizer ao menino sozinho em casa. Ele não percebia, porém achava a frase muito bonita. Então sentava-se no sofá, aconchegado, a olhar para o vermelho doce e caloroso da lareira e o cheiro reconfortante das torradas da avó faziam-lhe companhia e faziam-no sentir-se bem.
Enquanto a neve teima em cair e a espera teima em demorar-se, (O tempo é o ser mais malvado que existe, o mais doloroso, muito pior do que as aulas de matemática da professora Alice ou os sermões do Papá) a avó continua a contar-lhe histórias, histórias fantásticas, sobre anjos, deuses, santos… Segundo a avó, eles é que ditam a história de uma pessoa, eles protegem-te dos demónios e impedem que algo de mal te aconteça, são eles os responsáveis por tudo o que acontece. A avó era um ídolo para o menino, uma heroína, uma espécie de coruja sábia, daquelas que costumam aparecer nas fábulas da Disney. E então o papá e a mãe chegavam e aí o corpo do menino enchia-se de alegria e euforia. O ritual repetia-se todos os dias, excepto nos fins-de-semana e nos feriados.
Era mais um dia comum na vida do menino, em casa da avó, continuava a olhar atentamente para o fogo que lhe ofuscava os olhos, porém sempre tinha tido um grande fascínio pelo mesmo. O recente gira-discos do pai continuava a ouvir-se suavemente por toda a divisão (“How many roads, must a man walk down…”), a avó dormia, e achou ser o momento certo para uma pequena exploração ao grande mistério que para o menino era a lareira… Os anjos não estavam com ele naquela tarde de Inverno, o fogo começou a querer como que fugir da prisão que era a lareira, fugiu, a avó teimava em dormir, a música teimava em tocar e o calor teimava em aumentar, o pai e a mãe chegaram pouco depois, pegaram no menino e trouxeram-no cá para fora, estava uma grande confusão, o pai voltou para dentro da casa, casa cujos demónios iam pintando de vermelho e, no céu cinzento, os anjos riam.
Nem o pai nem a avó voltaram a sair da casa naquele dia, por causa dos demónios, por causa dos anjos, por causa do menino; nos dias seguintes, a mãe chorava, o menino, a um canto, olhava-a seriamente, não sabia o que fazer, não sabia o que sentir, enquanto os seus anjos e demónios tinham uma discussão acesa na sua cabeça ou então resolviam problemas de matemática complicados.
Num desses dias, a mãe aproximou-se dele, sorriu, encheu-o de beijos, brincou com ele, os anjos e demónios foram descansar e o menino sorriu e riu nesse dia, tal como os anjos haviam feito naquele dia cinzento. À noite a mãe despediu-se dele, com uma lágrima na cara e com um tenro beijo suave e doce, foi dormir. Também a mãe nunca mais voltou, o sol deixou de nascer como dizia a avó, ficou noite, noite para sempre, enquanto os demónios mascarados de polícias o levaram para uma casa onde os anjos mascarados de freiras cuidavam de outros meninos que não tinham brilho nos olhos, também eles foram traídos pelos seus anjos e demónios; o menino não se conformou, correu, correu até não poder mais, porém desde aquele dia que o sol não nascia e no escuro era difícil orientar-se, procurava Deus, para que este soubesse o que havia acontecido com ele e com os outros meninos, para este os castigar e para o guiar até casa onde estaria a avó, o pai, a mãe, as torradas, a lareira, e o gira-discos.
Algures no tempo (O tempo é o ser mais malvado que existe, o mais doloroso, muito pior do que as aulas de matemática da professora Alice ou os sermões do Papá) o comboio vai chegar, para o levar para um lugar onde o sol nasça e se ponha todos os dias, um lugar onde volte a sentir o calor aconchegante da família, o conforto da lareira, casa. E os anjos? Os anjos e os demónios, esses vão ter o que merecem, e não vão ousar repetir o feito, pois Deus não deixará! Porém, por enquanto, o sol teima em não nascer, e Jack continua à espera de um anjo que o guie a casa e lhe traga de novo o sol que, ao contrário do que a avó disse, não nasce para todos!

João Pedro Ferreira Morais, nº 11, 9ºB

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