Espaço BECRE

Espaço BECRE
Esta é a BECRE da Escola EB 2, 3 Júlio do Carvalhal, o novo espaço inaugurado no dia 7 de Janeiro de 2009.

16/03/2009

Escola de Escritores - Meia-noite e um quarto (Parte I)

Eram cinco da tarde, o azul negro do céu já há muito tinha sido substituído por tons de laranja avermelhado do entardecer, porém não se via o sol, naquela tarde, no cais vazio.
Deu um último olhar ao estranho mar de vermelho carregado sem a mínima ondulação e mergulhou pelo infinito do cais, já não via o início, muito menos o fim, o lado direito e esquerdo eram preenchidos pelo igualmente infinito mar vermelho. O cenário era sempre o mesmo: cais e mar, e continuava, sempre, a mesma monotonia, retirando-lhe aos poucos e poucos a noção de realidade, pois naquele cenário o que menos existia era realidade, era como se estivesse a andar num tapete rolante e estivesse condenado a andar por aquele cais monótono para sempre e então ia enlouquecendo, aos poucos e poucos.
Passados três dias de caminhada de insanidade, o longo caminho do cais alargou formando um pequeno e largo quadrado de madeira onde duas pequenas caravelas estavam atracadas.
Uma delas era azul, estava vazia e à sua frente jazia uma mulher com o cabelo branco, vestida com um longo vestido. O seu olhar era vazio e os seus olhos azuis pareciam mortos pois não olhavam absolutamente nada e, no entanto, não se moviam um milímetro.
Já a outra caravela era de madeira normal, estava quase cheia, a gente que nela estava embarcada olhava o chão com um rosto triste e de sofrimento, à sua frente, um homem bem-parecido com um smoking preto cabelo negro e barba comprida exibia algo parecido com um sorriso na cara.
Como homem inteligente que era, Leonardo entendeu e dirigiu-se à caravela de madeira, não exibindo o mínimo de expressão facial. O homem de smoking esboçou um sorriso, porém não disse nada e retirou um cigarro do bolso, acendeu-o e começou a fumar.
-Porque não tentas? – disse suavemente a mulher da embarcação ao lado, sem desviar o olhar do vazio, nem efectuar o mínimo movimento excepto o dos lábios.
Leonardo prosseguiu no caminho para a caravela de madeira, ignorando-a. O diabo permanecia sereno e indiferente.
-Louco. – Concluiu o anjo, conformando-se.
-Humano – Contra argumentou Leonardo calmamente.
-Porque te resignas tu simples humano a ir para o inferno, porque não tentas tua sorte?
-A curiosidade é pecado, minha bela jovem. – respondeu Leonardo, abrandando o seu pequeno caminho para a caravela.
-Como ousas julgar os outros, logo tu que mataste, cometeste o maior de todos os pecados.
-Eu não julgo ninguém, essa é a tua função, aparentemente…
-Aparentemente, dizes tu? Tu, que te julgas a ti próprio, julgas-te digno do inferno, julgas-te digno da dor, julgas-te tu digno de tal castigo, porque mataste, por seres criminoso, porque fizeste aquilo que ninguém tem o direito de fazer, retiraste o dom da vida, duas vezes!
-Eu não me julgo, eu apenas faço escolhas, como tu dizes sou um criminoso, cometi o maior dos pecados, e, de qualquer maneira já estava morto, há muito tempo, chegar a este local foi apenas mais uma decisão.
-Louco. Não passas de isso, és um louco, deitaste fora a única coisa que tinhas – a vida, tu não sabes, não entendes, vais ter saudades das complicações da vida, vais ter saudades do sofrimento que é a vida, vais ter saudades de tudo, mesmo que seja tudo, aparentemente mau, acredita, a eternidade é a pior coisa que existe.

Nota: Esta é a primeira parte do texto Meia-noite e um quarto, escrito na Oficina de Escrita Português - 9ºB – Criminalidade – Baseado na obra de Gil Vicente O Auto da Barca do Inferno. A segunda parte será publicada na próxima semana.
João Pedro Ferreira Morais, nº 11, 9ºB

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